sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

TCC - TIRADENTES HEROI - AS FACES DE UM MITO NACIONAL

 RESUMO

Este trabalho objetiva analisar, dentro da historiografia, a construção republicana do mito de Tiradentes, a partir da memória popular, para justificar e consolidar o poder vigente.

Desta forma, efetuamos uma pesquisa bibliográfica sobre o assunto, verificando a profundidade da atuação do poder dominante na criação do herói, suas várias faces construídas em diferentes contextos e épocas históricas, além do papel do historiador dentro deste processo. Conferimos, também, como acontece a sobrevivência do mito de mártir e sacrificado de Tiradentes na contemporaneidade, através de pesquisas em livros e matéria disponível online.

Durante o processo de analise historiográfica, vamos analisar a forma em que o ensino de historia aborda o assunto, levando em consideração que nos dias de hoje a internet fornece informações que antes não se obtinha durante a aula de história.

PALAVRAS-CHAVE: História do Brasil; Tiradentes; República; Herói cívico; Imaginário popular: Brasil.

ABSTRACT

This research has the objective to analyze, inside of the historiography, the republican construction of Tiradentes´s myth, from the popular memory, to justify and consolidate the affective power. In such a way, a bibliographic research was effected about the subject, verifying the depth of the performance of the dominant power in the hero´s creation, its several faces constructed in different contexts and historical times, beyond the paper of this historian inside of this process We have also verified how the survival of the myth of the martyr and sacrificed of Tiradentes in contemporary times, through researches in books and available online subject. During the process of historiographical analysis, we will analyze the way in which history teaching approaches the subject, taking into account that today the internet provides information that was not obtained before during history class.

KEYWORDS: History of Brazil; Tiradentes;Republic; Civic hero; Popular memory;Brazil.

Sumário

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9

2 HISTORIOGRAFIA ....................................................................................................... 10

3 TIRADENTES ................................................................................................................. 11

3.1 MÁRTIR SÍMBOLO DOS REPUBLICANOS .......................................................... 12

3.2 O BODE EXPIATÓRIO ............................................................................................. 14

3.3 SIMBOLO MAÇON ................................................................................................... 14

3.4 UM HEROI INVENTADO. ........................................................................................ 15

3.5 TIRADENTES NA ATUALIDADE ........................................................................... 16

4 CONCIDERAÇÕES ....................................................................................................... 20

5 APLICAÇÃO DA TEMÁTICA ..................................................................................... 21

6 CONCLUSÕES ............................................................................................................... 22

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 24

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1 INTRODUÇÃO

A História esta sempre se renovando, surgem novos fatos, novos detalhes, uma nova perspectiva sobre o ocorrido. Isto se dá sempre que um historiador busca novas informações sobre o período estudado, há sempre um ponto de vista diferente que pode acarretar em mudar algo no que uma vez já foi dado como correto.

Existem vários casos de manipulação histórica para a criação de uma memória dentro de determinadas sociedades, como é o caso da civilização asteca, que destruiu seu verdadeiro passado histórico, e criou um novo mito de origem.

No Brasil, não foi diferente, buscou reconstruir situações consideradas dominantes, tais como: a do descobrimento destas terras, com a polêmica descoberta acidental ou intencional; bem como a imagem registrada no imaginário popular da independência, como se fosse ocorrida segundo o quadro de Pedro Américo; ou no orgulho nacional da vitória das tropas brasileiras na Guerra do Paraguai.

A escrita dominante é encontrada na história, no Brasil colônia e Brasil monárquico. Como demonstra José Murilo de Carvalho em A Formação das Almas (1990), nunca a construção histórica esteve tão presente em nossa nação como na transição da Monarquia para a República. Nesse momento, o poder político sentiu necessidade da criação de valores republicanos na consciência popular, valendo-se, para isto, de uma ideologia que ajudou a construir os símbolos, as alegorias, os rituais e mitos do novo regime. Os republicanos brasileiros tiveram uma árdua tarefa para a construção destes símbolos e contaram com a ajuda dos positivistas, presentes nas fileiras do Partido Republicano.

Foi assim que dentre os vários símbolos criados pela República, alguns tiveram a aceitação pelo público, como é o caso do maior o herói nacional, Tiradentes.

Ele não foi criado pela República, sua imagem foi aprimorada, pois conforme consta nos registros históricos, o novo regime necessitava de uma figura valente que apagasse o então herói D. Pedro I, a imagem forte da monarquia: “A luta em torno do mito de origem da República mostrou a dificuldade de construir um defensor para o novo regime” (CARVALHO, 1990: 55). O herói republicano deveria ser um instrumento eficaz para atingir a cabeça e o coração do povo.

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Assim sendo, a República tratou de conferir um rosto ao herói, pois que o mesmo não deixou um retrato. Criou bustos, quadros, data comemorativa e histórias: Tiradentes pode aparecer como Jesus Cristo ou elegante e bonito em sua roupa de alferes. A imagem não importava, mas, sim, o ideal que Tiradentes representava e que a República queria alcançar.

Hoje, Tiradentes vive no imaginário popular como uma entidade sacrificada a favor do futuro da nação. “Tiradentes ajudou o povo, sofreu por ele, e acabou morrendo por ele” (MICELI, 1994: 25). Esta é uma das imagens que os estudantes passaram a Paulo Miceli, em sua pesquisa sobre o herói nacional.

Nos dias atuais ainda é viva à imagem manipulada de Joaquim José da Silva Xavier o Tiradentes. O objetivo deste trabalho não é destruir a aura heroica do personagem histórico, mas, sim, mostrar que ao longo dos anos foram surgindo novas evidencia que devem ser levadas em consideração ou que pelo menos deve ser explorada durante o ensino sobre este líder do passado.

Neste trabalho vamos rever uma breve bibliografia sobre o Herói nacional, e vamos refletir se o assunto vem sendo abordado de forma correta na sala de aula. Isto se faz necessário, pois nos dias de hoje a internet disponibiliza informações que podem acabar confundindo o aluno em relação ao passado histórico do mito.

2 HISTORIOGRAFIA

A história é continuamente reescrita. À medida que a atualidade muda, as interpretações acerca de um fato passado também são modificadas, buscando respostas que correspondam melhor às necessidades do tempo atual. Foi assim com a Inconfidência Mineira (1789). Poucos momentos foram tão debatidos, reescritos e apropriados quanto esse.

O historiador seria como um escritor de romance, porque é uma narrativa de eventos. Como em um romance, a história seleciona, descomplexifica, organiza, faz com que um século caiba numa página.

Nestes termos, a história é como um “romance verdadeiro”, na visão de que o pesquisador coloca-se diante das fontes, na busca do indício das relações que encadeiam os eventos selecionados para, assim, fornece uma interpretação que lhe confere algum sentido.

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Ao pensar na memoria histórica em tais termos, o autor não está chamando a atenção para a forma narrativa, mas reafirmando a responsabilidade do historiador, por ser ele que tecerá a intriga, ao escolher o evento que deverá fazer parte do enredo, influenciando toda uma geração de historiadores e estudiosos da história.

Assim cada geração, tem seu momento específico ela une passado e presente de maneira original, criando uma visão particular do processo histórico. O presente exige a reinterpretação do passado para se representar, se localizar e projetar o seu futuro. Cada presente seleciona um passado que deseja e lhe interessa conhecer. A história é necessariamente escrita e reescrita a partir as posições do presente, lugar da problemática da pesquisa e do sujeito que a realiza.

Para esses historiadores, existe uma complexidade em analisar nosso tempo presente, pois se, por um lado, estamos nele mergulhados, por outro, nossa atenção está voltada para os comportamentos individuais objeto de denúncias, tão comuns ao nosso presente. Nesta interpretação em especial, temos dificuldade de buscar as razoes que levaram os homens, agora denunciados, a agir como agiram.

O historiador, tomando esta consciência, poderá permitir um conhecimento maior da nossa história, explicando inclusive o presente. Assim, entenderá as atitudes das classes dominantes, que ainda hoje atuam na história.

A história estuda o passado dos povos, trata dos acontecimentos que, por serem importantes, tiveram influência no futuro. A morte na forca de Tiradentes, por exemplo, é um grande acontecimento de nossa história. O sacrifício do patriota de Minas fortaleceu, no povo brasileiro, a vontade de se libertar do domínio de Portugal.

3 TIRADENTES

Quando você ouve falar em Tiradentes, qual a primeira imagem vem a sua mente? Geralmente a de um senhor com cabelos compridos, barba longa e traços faciais serenos. Se trocarmos a corda pela cruz, é a própria imagem de Jesus e está tão colada ao mito de Tiradentes que é difícil imaginar um sem o outro.

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Só que nem sempre foi assim. A figura de santo surgiu um século após a morte do inconfidente. E pode ser que nada tenha a ver com a real imagem dele.

Ao longo da História foram surgindo varias faces para Tiradentes: o mártir símbolo dos republicanos, o sacrificado como Jesus Cristo, o bode expiatório, o líder da Conjuração Mineira, o Mason. Mas qual dessas seria a face verdadeira?

3.1 MÁRTIR SÍMBOLO DOS REPUBLICANOS

De acordo com a História, a imagem de Tiradentes permaneceu obscura, após a Independência do Brasil, pois o país continuou sendo uma monarquia e ele era considerado, pela coroa portuguesa, um inconfidente (traidor da confiança).

Ao ser proclamada a República, o governo republicano precisava de um herói que, segundo os novos governantes, representava esses ideais. A escolha caiu sobre o alferes Joaquim José da Silva Xavier que havia ficando esquecido após o episódio da Inconfidência Mineira. Sua imagem só seria elevada a status de herói nacional pelos positivistas defensores da independência do Brasil, mais de um século após a sua morte.

A República ao eleva-lo ao status de “Herói Nacional”, valorizando-o em seu discurso e ressaltando sua importância para o Manifesto Republicano, consagra-o, a partir de seus interesses, como o Salvador da Pátria. Essa tática utilizada fortaleceu o herói, transformando-o em um mito, simultaneamente fortaleceu pela consolidação de símbolos, sua representação como regime, associando a história de um a do outro, inclusive, levando muitos a não percebe o deslocamento temporal que marca o evento da Inconfidência Mineira e a Proclamação da República.

Se o poder republicano usou Tiradentes como um herói nacional, grande parte deste resultado se deve aos jornais que, a partir do século XX, produziram um rico material de registros sobre a Inconfidência Mineira e seu herói, ajudando no processo de difusão e de consolidação das representações republicanas. Entre as décadas de 1930-1960, os jornais publicaram textos de autoria variada: historiadores com tendências mais tradicionais em geral ligados a institutos históricos, juristas, diplomatas, políticos, professores, cronistas, romancistas, poetas, jornalistas, intelectuais católicos e clérigos.

Tiradentes não deveria ser visto como herói republicano radical, mas sim como herói cívico religioso, como mártir, integrador, portador da imagem do povo inteiro, alguém que

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fosse um líder, mas de características também submissas, como exemplo ao povo. A imagem cabeluda foi construída para que ele se assemelhasse à figura de Jesus, aumentando seu tom de mártir, vítima e herói.

Começou, assim, o culto a Tiradentes, decretou-se o primeiro feriado: o Dia de Tiradentes, em 21 de abril, data da morte dele. Nesse dia, o Apostolado Positivista, associação brasileira dos afiliados ao positivismo, a corrente filosófica criada pelo francês Augusto Comte, distribuiu folhetos com a imagem do mártir desenhada por Décio Villares.

Figura 1 - Tiradentes por Décio Villares

Fonte: Museu Nacional de Belas Artes (MNBA)

Logo também foi mudado o nome da cidade de São José del-Rei para Tiradentes, que mais tarde veio se tornar um dos centros históricos da arte barroca mais bem preservados do

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Brasil, sendo proclamada patrimônio histórico nacional tendo suas casas, lampiões, igrejas, monumentos e demais partes recuperadas.

3.2 O BODE EXPIATÓRIO

Mas será que Tiradentes não foi um herói inventado?

Há registro quem revelam que ele não foi nada do que dizem ser, foi provavelmente apenas um simples homem responsabilizado por uma revolução que estava apenas preocupada com o quinto do ouro das Minas Gerais que era envias a Portugal. A clássica imagem de Tiradentes seria ilusória, pois ele nunca possuiu cabelos compridos, nem barba. Seja em sua época de militar, pelo seu período na prisão, ou mesmo no momento de sua execução.

Tiradentes não teria sido o líder da conjura mineira e sim quem levou a culpa e o castigo pelos outros, para servir de exemplo. No processo, apenas Tiradentes recebeu a pena de morte na forca, executada no dia 21 de abril de 1792. Ele foi enforcado no Rio de Janeiro. Partes do seu corpo esquartejado foram expostos em postes na estrada que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais. Sua casa foi queimada e seus bens confiscados.

Segundo Maxwell, Joaquim José da Silva Xavier não foi senão o "bode expiatório" da conspiração. (op.cit., p. 222) "Na verdade, o alferes provavelmente nunca esteve plenamente a par dos planos e objetivos mais amplos do movimento." (p.216) O que é natural acreditar. Como um simples alferes (o equivalente a tenente, hoje) lideraria coronéis, brigadeiros, padres e desembargadores?

Ainda segundo Maxwell, ele acredita sim que Tiradentes foi um herói, pois enfrentou com dignidade a morte; seu comportamento, ao ser interrogado, foi exemplar; ninguém foi mais entusiasta por uma Minas independente e republicana: “Reclamou para si o maior risco e não há duvidas alguma de que estava disposto a assumi-lo [...]”. (MAXWELL, 1978: 106).

3.3 SIMBOLO MAÇON

Mas por que esse mineiro poderia representar a maçonaria? Que legitimidade haveria nisso? “Simples”, responderiam os historiadores ligados a essa organização: Tiradentes teria sido maçom, e a Inconfidência Mineira, uma conspiração maçônica em prol da libertação nacional!

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O relato que estabeleceu a crença em uma Inconfidência de caráter maçônico partiu de Joaquim Felício dos Santos, que, curiosamente, não era maçom. Em sua obra Memórias do distrito diamantino da comarca do Serro Frio, ele escreve que a “Inconfidência de Minas tinha sido dirigida pela maçonaria, Tiradentes e quase todos os conjurados eram pedreiros-livres”. Com base nessa passagem, estudiosos, maçons ou não, começaram a associar automaticamente a Inconfidência à maçonaria.

Percebe-se que a maçonaria, por meio de seus pensadores, construiu uma série de argumentos para não deixar dúvida quanto ao papel de destaque dessa instituição no desenrolar de todos os fatos da Conjuração.

Há pouco tempo, surgiram alguns trabalhos produzidos por historiadores maçons mais criteriosos que refutam muitas das teses aqui apresentadas. Contudo, estes ainda não foram suficientes para derrubar do imaginário maçônico a figura do herói mineiro.

Construir por meio de uma historiografia uma tradição na qual os maçons teriam feito parte do momento fundador da nação brasileira é, sem dúvida, uma maneira de assegurar sua presença no Brasil. Ao agregar a imagem de Tiradentes à sua, essa ordem passa a ser lembrada como a defensora dos nobres valores carregados pelo herói nacional.

A partir de 1870, ocorreu um crescimento acelerado do número de lojas maçônicas no país e muitas delas foram batizadas de “Tiradentes”. Frequentemente, suas bibliotecas tinham o inconfidente por patrono e até mesmo os jornais maçônicos carregavam seu nome. Já no século XX, Tiradentes pareceu ganhar em definitivo um lugar de destaque no panteão maçônico, tornando-se patrono da Academia Maçônica de Letras.

3.4 UM HEROI INVENTADO.

Embora a historiografia oficial considere que a inconfidência mineira (1789) foi uma grande luta para a libertação do Brasil, o historiador inglês Kenneth Maxwell, autor de A devassa da devassa diz que "a conspiração dos mineiros era, basicamente, um movimento de oligarquias, no interesse da oligarquia, sendo o nome do povo invocado apenas como justificativa", e que objetivava, não a independência do Brasil, mas a de Minas Gerais. Esses novos estudos apresentam um Tiradentes bem mudado: sem barba, sem liderança e sem glória.

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Os que ficaram pasmos com a desconstrução feita em relação à figura mítica de Tiradentes espantar-se-ão ainda mais com alguns artigos históricos que apresentam uma inconfidência mineira diferente daquela que nos narram os livros didáticos.

A Folha de S. Paulo publicou um artigo (21-04-98) no qual se comentam os estudos do historiador carioca Marcos Antônio Correa. Correa defende que Tiradentes não morreu enforcado em 21 de abril de 1792. Ele começou a suspeitar disso quando viu uma lista de presença da Assembleia Nacional francesa de 1793, onde constava a assinatura de um tal Joaquim José da Silva Xavier, cujo estudo grafotécnico permitiu concluir que se tratava da assinatura de Tiradentes. Segundo Correa, um ladrão condenado morreu no lugar de Tiradentes, em troca de ajuda financeira à sua família, oferecida pela maçonaria.

Esta situação explicaria o fato de algumas testemunhas da morte de Tiradentes se dizer surpresas, pois o executado aparentava ter menos de 45 anos. Sustenta Correa que Tiradentes teria sido salvo pelo poeta Cruz e Silva (maçom, amigo dos inconfidentes e um dos juízes da Devassa) e embarcado incógnito para Lisboa em agosto de 1792.

Isso confirmaria o que supostamente havia dito Martim Francisco (irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva): que não fora Tiradentes quem morrera enforcado, mas outra pessoa, e que, após o esquartejamento do cadáver, desapareceram com a cabeça, para que não se pudesse identificar o corpo. "Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria pelo Brasil". Como só tinha uma, talvez Tiradentes tenha preferido ficar com ela.

3.5 TIRADENTES NA ATUALIDADE

Ainda hoje se cultua a imagem de Tiradentes como comparada à imagem de Cristo. Este texto foi publicado no jornal Estado de Minas em abril de 2000.

Hoje o coração do povo brasileiro vivencia a emoção de dupla cerimônia: uma religiosa e outra cívica, quando se celebram a Sexta feira da Paixão e o Dia de Tiradentes. Coincidentemente, Cristo e Tiradentes morreram por causas nobres, visando o bem-estar do homem. Cristo por pregar a verdade, o amor, à paz, a igualdade, na tentativa de libertar o homem do pecado. (LIMA, 2000)

A historiografia contemporânea pode lutar para apagar esta visão de Tiradentes, mas isto raramente ocorrerá no correr de décadas.

Todos os anos, dia 21 de abril, escolas, repartições públicas, empresas privadas, indústrias de todo tipo, comércios e outros serviços, fecham as portas para mais um feriado

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instituído pelo governo federal. Mas alguém lembra que feriado é este? Alguns diriam: “Ora, é o „dia‟ de Tiradentes”. Dentre estes alguns, poucos diriam ao acrescentar que é feriado comemorativo a Tiradentes: “é feriado de Tiradentes, aquele herói que lutou pela independência do Brasil e foi morto e esquartejado”.

O que foi alterado no ensino básico sobre história, desde a implantação da república até os dias atuais?

Após a proclamação da República, existia a esperança que a educação fosse a solução para os problemas sociais e que deveria valorizar a cultura regional: Dentro da melhor tradição positivista da época, a história era factual e pouco crítica. Durante o regime Vargas, especialmente durante a ditadura do Estado Novo, pouco se fez para melhoria do ensino de história, a qual foi utilizada para efetuar propaganda do Estado.

Foi nesse contexto de ditadura, que o ensino de história voltou a ser mero instrumento de reprodução dos valores dominantes e de alienação. As aulas continuaram a se pautar pela sucessão de nomes e datas consideradas fundamentais pelos professores. Nas escolas técnicas nem sequer se ensinava história. (NEMI e MARTINS, 1996: 18).

No regime cívico-militar, depois do golpe de 1964, o ensino de história continuou sendo construído sobre heróis e em razão da censura, não apresentava nenhuma perspectiva crítica: O ensino de história foi acoplado ao de geografia numa disciplina denominada estudos sociais. Perdendo a especificidade, tanto uma como outra tiveram reforçada sua característica original de reprodutoras de um saber construído pelas elite (NEMI e MARTINS, 1996: 20).

Nesta época, talvez em razão da censura, surgem historiadores, que apostavam numa visão mais crítica sobre a história, como Kenneth Maxwell, que exerceu forte influência nas pesquisas sobre o século XVIII luso-brasileiro.

Foi também nesse período que os especialistas educacionais passaram a exigir mudanças nos currículos escolares. Todavia, no ensino básico, controlado pelo Estado, pouco se fez nessa direção. O recorte abaixo esclarece esse momento, pois foi a partir dos anos 60 e 70, desenvolveu-se no Brasil o pensamento crítico, radical, de oposição e deslegitimação dos saberes históricos transmitidos na escola. Influenciado pelos teóricos da reprodução, o pensamento educacional critico passa a deslegitimar os currículos oficiais de história. A escola passa a ser encarada como aparelho de reprodução dos valores e ideias da classe dominante, e o ensino de historia, como mero veículo de reprodução de memória do vencedor (GUIMARÃES, 1998: 13).

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Sendo assim partir dos anos 80, com a redemocratização política, que começou um redimensionamento do papel da instituição escolar e análise sobre os conteúdos dos livros de história. Porém, como apresentado nos exemplos acima, o processo é demorado e ainda neste princípio do século XXI há um desconhecimento, por parte dos alunos do ensino fundamental, de que a imagem de herói do Tiradentes, foi construída pelo poder republicano.

O livro didático atual busca enfatizar mais o caráter da Inconfidência Mineira do que o papel de Tiradentes como mártir. Em um livro publicado em 1999 já aparece o movimento descrito como uma revolta da elite e a foto caracterizando Tiradentes é a do quadro de José Wasth Rodrigues (Tiradentes como alferes), eliminando, assim, a imagem mais conhecida do herói como Cristo (de barba e cabelos compridos):

Figura 2 - Tiradentes (Alferes), óleo/tela, José Wasth Rodrigues.

Fonte: Romulo Fialdini/Banco Safra/Livro MHN (1940)

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A Inconfidência Mineira não foi uma revolta de caráter popular. Ela visava apenas o fim da opressão portuguesa que prejudicava a elite mineira. Não tinha como finalidade acabar com a opressão social interna, que atingia a maioria da população. (COTRIM, 1999: 136).

Muito se engana quem pensa que a figura de Tiradentes esgotou seu manancial utilitário governamental. Através de textos com uma montagem de um perfil favorável de todos os inconfidentes, exceto pelos delatores, a figura de Tiradentes sobressai e acaba no discurso ou ato de qualquer político que deseja despertar interesse pela sua figura por parte do eleitorado ou governado.

Como se pode perceber, desde o enforcamento de Tiradentes, a sua imagem e a sua história foram sendo recontadas por diversos grupos. Os republicanos foram aqueles que mais se apropriaram e incorporaram em seu discurso a importância de Tiradentes na história brasileira, apontando-o como o principal responsável pela "salvação" do povo, para que nem ele e nem a república fossem esquecidos. Muito ainda há para ser abordado e discutido, e a historiografia brasileira vem se enriquecendo a cada dia com novos trabalhos e novas pesquisas, um processo ainda árduo e demorado.

Tiradentes é uma imagem que até os historiadores mais críticos não ousam macula. Ele foi, sem dúvida, o catalisador da Revolução na conturbada Minas de 1788. Um decidido propagandista de uma Minas Gerais independente, republicana e autossuficiente, ele pretendia desencadear a revolta. Se as circunstâncias não o tivessem impedido, não há dúvida de que, ao contrário de alguns companheiros de conspiração, teria partido para a ação a que se propusera (MICELI, 1994: 41).

Ninguém sabe ao certo qual a aparência correta de Tiradentes. Como há poucos dados históricos, o terreno para a especulação é grande.

Independente de polêmicas, Tiradentes é oficialmente patrono cívico da nação brasileira, título determinado pela lei federal número 4.897, de 9 de dezembro de 1965, no governo do general Humberto Castello Branco. A legislação manda que Tiradentes seja cultuado pelas Forças Armadas, estabelecimentos de ensino, repartições públicas entre outros segmentos da sociedade.

Especulações à parte, o que importa na história da Inconfidência Mineira é que a imagem de Tiradentes enquanto herói resiste ao tempo. Mas, como a História do Brasil continua sendo escrita, qual a história que será contada, no futuro, sobre o que está ocorrendo no presente?

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4 CONCIDERAÇÕES

Primeiramente, devemos lembrar que História é a ciência humana básica na formação do aluno, pela possibilidade de fazê-lo compreender a realidade que o cerca e, consequentemente, dotá-lo de espírito crítico, que o capacitará a interpretar essa mesma realidade. Após analisar esta bibliografia surge varias duvida: Será que o tema é abordado corretamente, ou ainda é ensinado aos alunos que Tiradentes era um herói nacional de cabelos comprimidos, barba longa e semblante sofrido? É correto vincular nos livros didáticos uma imagem que foi criada no intuito de alavancar um mito? O assunto é debatido com a ênfase necessária uma vez que se tratar de um herói nacional que tem a função de implantar a ideologia de liberdade?

Para o professor de história todas as imagens, discursos e memórias devem se tornar documentos válidos. Estes materiais demonstram o contexto de uma época, o pensamento de um grupo que seguia tal ideologia ou uma realidade que certo povo, não conseguiam enxergar, naquele determinado período.

O educador, também, corre o risco de estar auxiliando ou transmitindo uma ideologia imposta. É necessário ao profissional de história, seja ele um pesquisador ou professor, observar a máquina dominante e a própria história vivida, para não cair nesta armadilha.

Muito ainda há para ser abordado e discutido, e a historiografia brasileira vem se enriquecendo a cada dia com novos trabalhos e novas pesquisas, um processo ainda árduo e demorado. A constatação de elementos que têm se mantido desde o século XIX indica, por um lado, a vitalidade do mito e, por outro, o poder persuasivo das associações estabelecidas, entre o sacrifício heroico de Tiradentes e as condutas dos que se colocam como seus herdeiros.

A História Nacional ainda está sendo escrita e anteriormente o ensino estava apenas vinculado aos livros de didáticos com as informações selecionadas pelo poder vigente. Hoje com a era digital, encontramos discursos e contra discursos, memórias que se chocam com outras memórias e imagens que rebatem outras imagens.

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A História dialoga com o mundo em que vive, com problemas e desafios, lutas e utopias, e esse diálogo influencia a forma como ele reconstrói e interpreta o passado. Por isso, nenhuma obra é objetiva no sentido de ser neutra, isenta, livre de paixões e pressões de seu tempo.

Segundo a professora de História Flávia Aidar, formadora de professores e consultora de projetos educativos, é preciso uma discussão sobre o papel de mártir da independência atribuído a Tiradentes. É possível, segundo ela, apresentar aos alunos duas versões de textos, em geral, encontradas em livros didáticos. Uma delas aponta Tiradentes como liderança no processo de libertação não só da região de Minas Gerais, mas de toda a colônia.

A outra versão, contrária à primeira, questiona essa interpretação. "Há documentos que mostram uma visão menos heroica dele", afirma a professora. "Em pleno século 18, a colônia não era pensada como nação. Além disso, a comunicação era difícil, o que nos leva a crer que seria improvável um movimento de independência generalizado por todo o território", completa. Após a leitura, abra um debate sobre o tema com os alunos.

No que se refere ao ensino de história, é importante observar que a construção do currículo não pode se limitar a um enfoque meramente disciplinar, pois, estudar o passado significa fazer referência às múltiplas experiências dos seres humanos no tempo.

O trabalho do professor de História esta pautado em filtrar, discutir e trabalhar em sala de aula às informações existentes sobre este marco da memoria nacional. Acredito que é preciso uma abordagem mais realista sobre este fato, os alunos precisam ter a consciência dos diversos pontos de vista sobre o tema.

5 APLICAÇÃO DA TEMÁTICA

O tema Tiradentes geralmente é abordado com os alunos do 6º ano no momento em que se estuda a Inconfidência Mineira. Considerando o conteúdo deste projeto, é proposto ao professor que trabalhe as varias vertentes expostas na sala de aula.

Uma forma de trabalhar este conteúdo seria em grupos de estudo, onde cada equipe ficaria responsável por pesquisar e explorar uma das linhas de pensamento que surgiu ao

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longo do tempo. Após conclusão cada grupo apresentaria sua visão do tema iniciando assim um debate sobre o assunto.

O mesmo conteúdo poderia se aplicar aos alunos dos demais anos letivos uma vez que anualmente se comemora o feriado de Tiradentes nos dando uma brecha para explorar o assunto no intuito de desvincular a imagem do Herói Republicano das pinturas artísticas que o mostra com Cristo.

A abordagem do tema estaria vinculada apenas a duas ou três aulas, o que não iria interferir no andamento da sequencia didática preparada para o período, mas teria um impacto sobre a visão histórica deste homem que se tornou o patrono nacional.

Tratar de Tiradentes, apesar das dificuldades e riscos, é sempre interessante. A história que as pessoas chamam real ou verdadeira confunde-se com a tradição que alimenta o imaginário popular. Confunde-se e vai confundir-se sempre, objetivo é mostrar ao grupo que a História não é um conhecimento estático. Para estudar o passado, é preciso recorrer a diversas fontes, questionar pontos de vista criticá-los e compará-los.

6 CONCLUSÕES

Diante do trabalho realizado é importante destacar que durante as pesquisas, acabou-se deparando com várias “verdades”, que foram produzidas por ideologias e em momentos diferentes.

Existe uma citação na referida obra Como se escreve a História? de Paul Veyne, na qual, o autor compara a história a um palácio, do qual, não descobrimos ainda toda a extensão, sendo para nós um complexo parecido com um labirinto, no qual, a ciência pode nos auxiliar a encontrar algumas saídas, mas que nunca seria capaz de nos entregar a planta do prédio (VEYNE, 1998:133).

Nesta citação, Veyne comenta sobre as várias possibilidades de se fazer história, pois é uma matéria que está em andamento, sempre a ser reconstruída. Dentro deste espírito de pensamento, poderia ser acrescentado, que este palácio possui um sótão, no qual, são depositadas as histórias esquecidas, as versões dos perdedores e as versões que estão fora de

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uso. Possui, ainda, salas secretas, nas quais, fatos históricos podem ser observados sobre um novo ângulo e que depende da astúcia do historiador, para poder adentrá-las.

A História Nacional ainda está sendo escrita e é muito complicado para o povo que está vivendo sua própria realidade, observar profundamente o que se passa no interior dos acontecimentos.

Tiradentes pode ser como Cristo para os religiosos, como o republicano cívico para o cidadão, a figura exemplar para o político se comparar, uma boa história para o historiador ou romancista, e, o mais importante, um brasileiro que morreu por seu ideal.

Este trabalho é destinado aos professores e alunos do ensino fundamental II e ensino médio. O título destaca a importância atribuída a este ícone do passado brasileiro. Deve-se então ter em mente que os professores exercem um papel insubstituível no processo da transformação social, pois a formação dos educadores não se baseia apenas em técnica prontas, e nem como apenas executora de decisões alheias, mas, na formação de cidadãos com competências e habilidades na capacidade de decidir e agir, e a afetividade novas técnicas de ensino tem esse poder de produzir novos conhecimentos para além da teoria e da prática de ensinar.

Ao conceber e escrever este trabalho, o objetivo principal foi estimular e aguçar a mente para novos pontos de vista que acabam sendo mais realista do que o material básico referente à verdadeira história do Herói Tiradentes, oferecendo subsídios ao professor no processo de ensino, mas também estimulá-lo a buscar, por si próprio outros instrumentos de trabalho e a descobrir novas formas de explorá-los.

Em meio há tantos fatores, o objetivo do projeto é auxiliar os professores e alunos na exploração deste tema histórico, contribuindo para a construção da cidadania e da ideologia nacional. É preciso ressaltar que muitos percursos históricos podem ser realizados, muitas histórias podem ser construídas. Por isso, espera-se que conteúdo deste trabalho seja discutido, ampliado e questionado. É preciso destacar a leitura de obras históricas, didáticas, para-didáticas, de divulgação, acadêmicas e quejandos, em diferentes ciclos de estudo, na perspectiva de se formar o conhecimento histórico necessário à reflexão dos alunos. Não se trata, pois, de encher a cabeça de crianças e jovens de conteúdos aleatórios, ou seja, de personagens e datas (ainda que eles sejam imprescindíveis em determinados contextos) mas de vinculá-los a temas significativos para a compreensão do processo histórico..

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Concluo que não importa descobrir se Tiradentes foi um herói ou um “bode expiatório” que levou a culpa, para livrar seus companheiros da forca. O que interessa é se nos dias atuais o conteúdo passado aos alunos é capaz de capacitá-los a discernir as várias linhas e correntes de interpretações, que se podem dar aos fatos históricos, em seus devidos contextos, e, a partir daí, permitir aos discentes realizar suas escolhas políticas, sociais, econômicas e culturais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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